Existe um grande poder de adaptação do ser humano às diferentes circunstâncias da vida social ou psíquica. Mas, de onde vem essa flexibilidade? Quais seus limites? Quando se adaptar demais acarreta em problemas psíquicos e emocionais?
O ser humano, em sua complexidade, tem um jeito único e genuíno de ser e de pensar sobre a vida e sobre o que o faz feliz ou infeliz, enfim, mesmo que não seja assim tão claro para todos, nosso propósito de vida é um norteador fundamental para nosso equilíbrio e nossa saúde psíquica.
Uma vida em desacordo com tal propósito, moldada por padrões familiares e sociais geram submissão, tornando a vida vazia, tolhida e sem sentido. Por determinado tempo é possível seguir em frente mesmo em condições adversas como estas, porém, em algum ponto da jornada “a conta virá”.
Adaptação do Ser Humano: A Flexibilidade
Quanto maior a distância entre a essência do EGO e as exigências do SUPEREGO, maiores serão os conflitos internos aos quais o sujeito ficará submetido e maior será seu sofrimento diante dos eventos da vida.
Tal qual uma mola pressionada, uma melancia quadrada, vamos nos “encaixando” em “moldes” familiares e sociais que nada tem a ver com nossa essência. Isso graças à adaptação do ser humano, do seu cérebro.
Adaptação do Ser Humano: As Consequências da Flexibilidade
Por conseguinte, no momento do colapso acontece o estouro desmedido, o surto, a crise, a pane elétrica no sistema cerebral e a pessoa explode.
Toda explosão é desmedida, sem proporção, insana e ilógica. Tudo isso aos olhos julgadores dos leigos que observam sem saber o que de fato acontece, porém, é na explosão que toda a lógica ilógica emerge, pois é quando ocorre o ajuste desajustado, é quando ocorre o adoecer libertador.
Adaptação do Ser Humano: Os Limites
Como Sigmund Freud pontuava, “todas as neuroses representam uma defesa contra ideias insuportáveis”, logo, podemos concluir que boa parte das doenças que assolam os seres humanos são decorrentes de uma vida insatisfatória.
O evento insuportável passa a ser esquecido pelo sujeito, ou seja, passa a ser recalcado, mas nada é esquecido pelo nosso inconsciente, tudo fica armazenado, num imenso mar revolto de memórias boas e ruins, numa imensidão atemporal, caótica, ilógica e magistral, que nos torna únicos e absolutamente incríveis.
Todas as nossas reações, ações, julgamentos, explosões aparentemente sem sentido encontram respostas nesse mar revolto, pois ali está a nossa “caixa preta” tal qual nos aviões, que registram absolutamente tudo o que se passa em nossa volta, sob nosso olhar singular guardamos nossas impressões sobre tais experiências e são com base nesses arquivos que respondemos a tudo e a todos os eventos na vida cotidiana.
Adaptação do Ser Humano: O Poder do Inconsciente
Por este motivo costuma-se dizer que não somos donos de nossos pensamentos e ações, pois quem “manda” na verdade é o nosso inconsciente.
Sabendo disso e da capacidade de adaptação do ser humano, nos cabe a missão de ter compaixão por aqueles que se encontram em outro ponto de entendimento sobre a psiquê humana e cabe a nós também aprofundarmos nossos conhecimentos técnicos cada vez mais, a fim de sermos capazes de nos conhecer, eis aqui o maior desafio de nossa existência, e se possível for ajudar ao próximo para que atinja um melhor nível de compreensão acerca da própria mente.
Apesar de todo o severo julgamento social diante de um quadro de explosão, para o sujeito trata-se de emergir da opressão há tanto tempo vivida, trata-se de sair de uma condição agonizante há tanto tempo sobrevivida.
ID, Ego e Superego:
Por vezes, a força extraída do ID é a força aparentemente insana que tem o poder de retirar o indivíduo de um emaranhado social quase que impenetrável.
Nosso mar revolto tem a capacidade de se sobrepor ao EGO e ao SUPEREGO, em momentos cruciais e decisivos da vida, pois sem essa força descomunal o sujeito não seria capaz de se insurgir contra abusos há tempos sofridos.
A Psicanálise Como Salvação
Uma salvação insana, mas é nessa fonte de energia inconsciente que o sujeito encontra forças para reagir e obter sua real salvação, caso contrário, sucumbiria catastroficamente.
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É preciso muito conhecimento técnico, muita ética profissional e muita empatia para saber identificar um grito de socorro, de uma doença psiquiátrica de fundo neurológico, por exemplo.
Muitas vezes é através dos impulsos agressivos do surto psicótico, da aparente insanidade que o sujeito encontra forças para emergir de um oceano de regras opressivas e consegue, assim, sair de um cenário que o adoeceu severamente.
A adaptação do ser humano: O Preço da Flexibilidade
A adaptação do ser humano ao mesmo tempo traz a capacidade de viver em sociedade, mas também pode cobrar um preço pelos excessos impostos à vida psíquica.
Regras familiares e sociais aliadas à misoginia cria o cenário perfeito para que várias mulheres aparentemente neuróticas e insanas fossem erroneamente medicadas e até mesmo internadas sem que houvesse de fato tal necessidade.
Infelizmente esse tipo de situação acontece até nos dias atuais, onde ex-parceiros aproveitam-se de estados mentais desequilibrados de suas parceiras, desequilíbrio este causado pelos próprios agressores que se utilizam de meios escusos para interná-las e interditá-las, de modo a perpetuar sua opressão e controle doentios sobre uma mulher fragilizada pelos abusos que sofreu calada, dentro de um casamento que equivale a uma prisão sem muros.
Em inúmeros casos, o adoecimento se deu em virtude de uma vida insuportável, resultado da adaptação do ser humano a situações pesadas.
Isso acontece, por exemplo, nos casos de casamentos tóxicos e abusivos, que se configuram como verdadeiras gaiolas abertas para tantas e tantas mulheres que sofriam e sofrem caladas, até o momento do adoecer libertador, do grito, do surto, enfim, da libertação, da soltura das amarras e dos moldes da melancia quadrada.
Este texto sobre Adaptação do Ser Humano: flexibilidade e limitações foi escrito por Thais Almeida de Freitas, especialmente para o blog Psicanálise Clínica.