Assunto central para entender o que é, a definição e exemplos de amizade na visão da psicanalise.

Amizade: o que é, definição e exemplos

Publicado em Publicado em Psicanálise e Sociedade

A amizade, enquanto vínculo afetivo e social, sempre foi um tema recorrente na filosofia, na literatura e nas ciências humanas. Neste texto, vamos buscar entender a definição de amizade, relação entre amizade e apoio psicológico e conceito de amizade na psicologia e psicanálise.

Em psicanálise, embora não seja um dos conceitos centrais como o inconsciente, o desejo ou a transferência, a amizade pode ser pensada a partir dos fundamentos dessa teoria, especialmente no que diz respeito às relações entre o sujeito e o outro, à constituição do eu e aos afetos que permeiam os laços interpessoais.

Pensar a amizade na psicanálise é, portanto, mergulhar nas complexidades da subjetividade humana e dos mecanismos inconscientes que regulam a forma como nos relacionamos com o mundo e com os outros.

Significado e exemplos sobre ser amigo ou ter um amigo

A amizade é um laço afetivo baseado em confiança, lealdade e compreensão mútua, portanto é diferente de relações familiares ou românticas.

Surge da escolha e do compartilhamento de experiências, a partir de afinidades entre os potenciais amigos. Pode oferecer apoio emocional, crescimento pessoal e um refúgio contra a solidão.

Esta relação foi amplamente debatida nas artes:

– Na literatura, um exemplo marcante é a amizade entre Dom Quixote e Sancho Pança, em Dom Quixote (Miguel de Cervantes). Sancho é o contraponto realista ao idealismo do cavaleiro errante. Cria com ele um vínculo de cumplicidade, isso mostra como a amizade também surge da complementaridade entre sujeitos.

– Já em O Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), a amizade entre o príncipe e a raposa ensina sobre responsabilidade e conexão verdadeira.

– No cinema, o filme Conta Comigo (1986) retrata a amizade infantil como uma jornada de amadurecimento, tema também de Toy Story (1995), em que os personagens Woody e Buzz mostram que a amizade supera diferenças.

Definição de Amizade segundo a psicanálise

Sigmund Freud, fundador da psicanálise, abordou a amizade de maneira indireta, sobretudo quando tratou dos afetos que emergem na transferência analítica.

Para Freud, o amor e o ódio são afetos primordiais nas relações humanas, e a amizade, enquanto afeto positivo e socialmente aceito, pode ser vista como uma sublimação desses sentimentos primários.

Em “O Mal-Estar na Civilização” (1930), Freud sugere que o mandamento cristão “amar ao próximo como a si mesmo” impõe uma exigência contrária à natureza pulsional humana, marcada pela ambivalência afetiva.

Assim, a amizade, como forma de amor socializado e institucionalizado, seria uma construção civilizatória, atravessada por repressões, idealizações e demandas éticas, o que a torna um campo fértil para a análise psicanalítica.

Amizade, Narcisismo e o Inconsciente

Além disso, a teoria freudiana do narcisismo também permite pensar a amizade como uma escolha objetal baseada no amor narcísico.

Em “Introdução ao Narcisismo” (1914), Freud diferencia o amor objetal do amor narcísico, afirmando que muitas vezes escolhemos amigos que possuem qualidades semelhantes às nossas ou que admiramos por nos espelharmos neles.

A amizade, nesse sentido, seria uma extensão do amor a si próprio, um modo de preservar a autoestima por meio da identificação com o outro, funcionando como um reforço simbólico da própria imagem do eu.

Jacques Lacan, um dos principais herdeiros e reformuladores do pensamento freudiano, oferece outras chaves de leitura para compreender a amizade.

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    A noção de “sujeito do inconsciente” e a teoria dos registros — real, simbólico e imaginário — complexificam ainda mais o entendimento dos vínculos afetivos. Lacan afirma que o sujeito é constituído na linguagem e que o desejo é sempre desejo do Outro.

    A amizade, nessa perspectiva, pode ser vista como uma forma de laço social em que o desejo do sujeito é mediado pela alteridade do amigo, que ocupa o lugar do Outro simbólico, ou seja, aquele que possibilita a inscrição do sujeito na ordem social e linguística.

    O imaginário e o simbólico sobre “ser amigo”

    No registro imaginário, a amizade pode ser compreendida como um espelhamento, uma relação baseada na identificação e na complementaridade das imagens do eu. No entanto, esse tipo de vínculo pode ser ilusório, pois se funda na idealização do outro, e não na aceitação de sua alteridade radical.

    Já no registro simbólico, a amizade verdadeira exige o reconhecimento da falta no outro, ou seja, a compreensão de que o amigo não é uma extensão de si mesmo, mas um sujeito desejante, com seu próprio inconsciente, limites, contradições e desejos singulares.

    A amizade no setting analítico

    Do ponto de vista clínico, é interessante observar como a amizade aparece na fala dos analisandos. Muitas vezes, o amigo ocupa o lugar de confidente, de suporte emocional, ou até mesmo de objeto de transferência.

    O analista, por sua vez, não deve assumir o papel de amigo, pois a função analítica exige uma neutralidade benevolente que possibilita a emergência do inconsciente.

    No entanto, é comum que o setting analítico seja confundido com uma relação amistosa, principalmente quando o analisando busca no analista um acolhimento semelhante ao oferecido pelos amigos.

    Cabe ao analista interpretar essas demandas, mostrando ao paciente que a análise não é uma amizade, mas um espaço onde se pode elaborar o desejo, o sofrimento, os afetos e a repetição.

    A ética no conceito de amizade

    A amizade, por fim, também pode ser pensada em termos de ética na psicanálise. Lacan propõe que a ética do desejo implica respeitar a alteridade do outro e não se servir dele como objeto.

    Uma amizade ética, portanto, seria aquela em que os sujeitos se reconhecem em sua incompletude, sem tentar preencher a falta do outro ou exigir dele uma completude impossível.

    A amizade torna-se, assim, um espaço onde o desejo pode circular livremente, sem a exigência de posse ou domínio, permitindo o crescimento mútuo e o respeito às singularidades.

    Conclusão: sobre a amizade

    Em conclusão, a amizade na psicanálise é um tema que revela as tensões entre o eu e o outro, entre o desejo e a lei, entre a idealização e a realidade psíquica.

    Embora não haja um conceito formal de amizade no vocabulário psicanalítico clássico, as ferramentas teóricas da psicanálise permitem uma leitura profunda desse afeto, revelando suas dimensões inconscientes, suas motivações narcísicas e suas possibilidades éticas.

    A amizade, nesse contexto, é um campo de experiência humana onde se jogam as questões fundamentais da subjetividade: o desejo, a falta, o amor, o afeto e a alteridade.

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