Freud e Política, Psicanálise e Política: um resumo

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A psicanálise e os estudos de Freud sobre o comportamento humano auxiliaram e auxiliam na compreensão da política. Assim como auxiliaram em tratar pessoas com traumas de guerra. Não obstante, apesar de abordar esse tema em seus estudos, Freud e política acabaram se entrelaçando. Freud debate em suas obras muitos temas sociais, que podem ter uma interpretações políticas. Além disso, a psicanálise influenciou muitas áreas de conhecimento, como a antropologia, a sociologia e a política.

Não somos contra política partidária nem contra ideologia. Afinal, tudo pode ser visto por um viés ideológico. É parte da constituição psíquica humana se posicionar. Os posicionamentos são válidos, desde que não impliquem a anulação do outro, de sua subjetividade, nem a anulação da democracia (sem o que muitos debates seriam proibidos).

Eventualmente, algum partido pode (direta ou indiretamente) ter uma visão mais ou menos freudiana sobre os temas políticos. Mas, aqui, não estamos discutindo política no sentido partidário. Há uma inclinação da psicanálise para uma linha política mais humanista e libertária.

Sublimação, psicologia das massas e política

Somos feitos em grande medida pela nossa dimensão inconsciente, que implica as pulsões e desejos. Há uma tênue linha entre:

  • do ponto de vista do id e do inconsciente: permitir as livres orientações religiosas (inclusive as não crenças), ideológicas, sexuais, étnicas, o respeito à diversidade e às minorias etc.
  • do ponto de vista do ego e do superego: estabelecer determinadas regras sociais de respeito ao outro e à convivência, sem o que prevaleceria a barbárie (a lei do mais forte ou da maioria).

Se você tem uma visão sobre política muito rígida a partir de uma ideologia política ou religiosa que veja tudo sob o prisma da polarização entre “nós e eles”, este artigo poderá lhe frustrar.

Então, precisamos entender:

  • algumas ideias de Freud sobre política e o papel do Estado,
  • enfrentamento de Freud ao nazismo e antissemitismo,
  • ideias de outros psicanalistas que falaram sobre política,
  • como a psicanálise vê a política.

Para Sigmund Freud, a política é um palco onde as neuroses coletivas e os impulsos inconscientes são expressos e gerenciados.

Freud considerava que a civilização ou cultura reprime os impulsos instintivos dos indivíduos. Isso inevitavelmente leva a uma tensão entre o desejo de liberdade individual e a necessidade de ordem social. A política seria assim uma manifestação desse conflito.

O excesso de controle do Estado sobre o indivíduo, entretanto, é gerador de neuroses ao indivíduo. É um mal-estar na civilização (título de um de seus livros), ou seja, um incômodo do sujeito por ceder aos seus impulsos em prol dos benefícios da coletividade.

Segundo seu conceito de sublimação, a pulsão sexual não pode ser realizada plenamente somente através de sexo. Tudo é sexo, mas essa energia precisa ser expressa em outros meios, como a política, o trabalho, as artes, os esportes e o lazer.

Psicologia das massas, ideal de eu e Grande Outro

As observações de Freud sugerem que as estruturas de poder e autoridade evocam complexos edípicos e a necessidade de um “pai” ou líder. Essencialmente, Freud via a política como um campo minado pelas mesmas paixões e neuroses que assolam o indivíduo, porém ampliadas em uma escala social.

Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud explora como o líder assume o papel do superego na psicologia das massas. O superego é a dimensão moral interna da vida psíquica do sujeito. Mas poderia atuar também como uma espécie de inconsciente coletivo, que se projeta nas imposições totalitárias com a força do Estado.

Na obra “O Mal-Estar na Civilização”, Freud afirma:

“Não é mais possível negar que a civilização é, em grande parte, responsável pela nossa miséria”.

No mesmo texto, Freud fala sobre como as pessoas se organizam em grupos a partir de afinidades identitárias. Essa identidade de grupo constitui os valores da psique individual. Ou seja, por mais “ermitão” e isolado que uma pessoa seja, ainda assim estará presente a dimensão social, porque o isolamento representaria seu desejo em face ao que percebe ser a vida social.

O sujeito pode pensar que são escolhas totalmente suas, mas é a vida social que ajudou a construir sua língua, suas crenças transcendentais, seu jeito de vestir, seus valores sobre sexualidade, sua moral etc.

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    “Uma massa primária desta índole é uma multidão de indivíduos que puseram um objeto, um e ele próprio, no lugar de seu ideal do eu, e em consequência se identificaram entre si em seu eu”.

    O psicanalista Jacques Lacan dirá que a alteridade (a relação com os outros) é constitutiva do sujeito. O sujeito se constrói pela língua, e a língua é um fato social. Então, no mundo simbólico das palavras, não aprendemos as coisas exatamente como são. Aprendemos as coisas e, junto, aprendemos o valor que essas coisas têm, do ponto de vista social. As palavras trazem junto uma “aura” ou amálgama, que é esta valoração social.

    Política vem do grego polis, que significa “cidade”. Então, viver em sociedade é estar imerso nas representações políticas. Mesmo quando a política não é evidente, ela estará presente indiretamente, como as marcas da vida coletiva.

    Quando uma pessoa, religião ou ideologia representam para um sujeito um “ideal de eu”, em relação ao qual o sujeito adere como uma suposta escolha, isso se torna o Grande Outro para este sujeito, na definição de Lacan.

    Freud e política durante a Primeira Guerra

    Freud viveu a Primeira Grande Guerra, e esteve bem próximo do nazismo, ideologia esta que ele declarava claramente odiar. Por outro lado, ele se mantinha à distância do que estava ocorrendo. E isso, mesmo após o crescimento do movimento nazista e das violências por ele difundidas. Inclusive quando os nazistas chegaram à Áustria, cuja invasão ocorreu em 1933 e onde Freud então vivia.

    Mesmo com a cidade de Viena sendo tomada pelos nazistas, Freud hesitou em deixá-la. Nessa época, ele já estava idoso e estabelecido profissionalmente, e já era amplamente conhecido pelos seus estudos. Apenas após muita pressão é que ele acabou sendo tirado de Viena. Seus livros foram queimados pelos nazistas.

    Além dessa questão do nazismo, vivenciada de perto, Freud vivenciou a Primeira Grande Guerra. Ele quase vivenciou a Segunda Grande Guerra, que eclodiu em 1939, ano em que ele faleceu. Além dessas questões, a relação entre Freud e a política, mesmo que à distância em sua vida pessoal, esteve presente em sua obra.

    Freud durante a Segunda Guerra

    Embora de família judia, Freud não era um judeu praticante. Era, na verdade, ateu. Entretanto, “judeu” é um conceito também ético, não apenas religioso. Os judeus eram perseguidos por Hitler durante a Segunda Guerra, independente de suas crenças.

    Freud considerava o ódio contra os judeus como uma forma de projeção de insatisfações internas e frustrações dos não-judeus. O nazismo exploraria os medos e ansiedades das massas, canalizando-os contra um “inimigo” externo.

    Perseguido pelo nazismo durante a Segunda Guerra, Freud se refugiou em Londres, onde faleceria anos mais tarde.

    Abordagem política em Totem e Tabu

    Vamos falar sobre o livro Totem e Tabu, que evidencia a relação entre Freud e política. A política é vista dentro de um tênue movimento de equilíbrio social, numa linha parecida com o que é abordado em Mal-Estar na Civilização.

    Estão presentes questões como o parricídio, o incesto e a exogamia (cruzamento de indivíduos não aparentados ou com grau de parentesco distante). Essas questões nos levam a reflexões sobre a obra de Freud e a política. Elas nos permitem dissertar sobre a civilização e repensar nos nossos atuais moldes sociais e políticos.

    Nessa obra, Freud também lança as questões da lei moral e da culpa à antropologia de sua época. Ele coloca a ideia de que a substituição do pai é feita pelo animal totêmico e leva à reflexão sobre as religiões. Como ateu, Freud acaba criando uma crítica sobre as religiões. Além disso leva à reflexão sobre os aspectos negativos nelas presentes, e como eles repercutem nas sociedades.

    A presença do homem, ou macho, como líder nas sociedades também é colocada em reflexão. Em Totem e Tabu há um pai violento e ciumento. Ele guarda as fêmeas para si e expulsa os filhos, conforme eles crescem. Assim, para reverter essa situação, os filhos homens acabam se juntando para matar o pai. Essa história, alegoria ou mito remete muito à história de Édipo e o complexo por Freud abordado em seu estudo.

    Além disso, nessa alegoria, Freud e a política colocada em questão nos leva à reflexão sobre os fundamentos das organizações. Sejam organizações sociais, religiosas ou morais. Organizações que, muitas vezes, são fundadas a partir da repressão de instintos inerentes ao ser humano. Assim como também surgem a partir da violência e da agressão. Além de se pensar – ou repensar – a comum medida ou comparação de forças e a luta pelos poderes, nas sociedades.

    Relações entre psicanálise e política

    Ao trabalhar a luta por poder e a sublimação dos desejos, Freud explora os diferentes domínios e hierarquias sociais. Esses temas são muito pertinentes no pensamento na modernidade.

    Outra questão sobre Freud e a política, com base na moral, é o fato de que a psicanálise trouxe contribuições significativas aos estudos biográficos de agentes políticos. Ele questionou o método cartesiano e propôs a centralidade de aspectos inconscientes em detrimento dos conscientes. A partir desse método, se pode analisar tanto agentes políticos quanto fenômenos de massa, presentes na história da psicologia política.

    Os textos sociais de Freud contribuíram muito, tanto para a psicologia social quanto para a psicologia política. As teorias psicológicas e psicopatológicas da psicanálise devem ser consideradas nesse sentido. Elas auxiliam na reflexão sobre eventos sociais, que tenham ou não caráter político.

    Assim, a psicanálise não deve ser vista como uma ciência pela qual se faz uma análise isolada de fatos sociais e políticos. Então, apesar de o pensamento freudiano poder ser aplicado à política, não podemos esquecer que ele oferece limitações nesse sentido. A psicanálise deve, na verdade, contribuir para outras ciências ou disciplinas e agregar nessa análise ou reflexão. Sejam elas as ciências políticas, a sociologia, a história, a educação ou a própria psicologia política.

    As características sociais e psicológicas auxiliam na compreensão do comportamento social. Além do que, devemos no lembrar de que a psicanálise não se restringe à obra de Freud. Outros psicanalistas também contribuíram para compreendermos melhor a política, as sociedades e a moral.

    Freud e a compreensão sobre a Política

    Portanto, apesar de Freud ter abordado, primariamente, alguns assuntos, como arte e religião. Não podemos separar Freud e a política de seus estudos, ainda que esta esteja num segundo plano em sua obra. Apesar de alguns estudiosos dizerem que a política ficou completamente esquecida na obra de Freud e do discurso psicanalítico. Pode se dizer que Freud abordou-a em sua obra, mesmo que não diretamente.

    Além disso, ele acaba propondo reflexões políticas e sociais pertinentes, inclusive, para temas de grande interesse atual. Dentre eles, a disputa pelo poder e as hierarquias sociais. E também temas relacionados ao comportamento humano, como: sublimação dos instintos e desejos, projeção, agressividade e moralidade.

    Além do que, é importante, na atualidade, que pensarmos na questão da psicanálise e em sua relação com a política. Esta indagação deve ser feita, inclusive, pois ela pode tratar de uma importante questão para o futuro da própria psicanálise.

    Isto é, deve-se ir além de repensar a política e a história a partir do discurso freudiano e pós-freudiano. Também é importante refletirmos sobre a pertinência da psicanálise na contemporaneidade, a partir desses temas sempre atuais e presentes nos mais diversificados campos de estudo.

    Visão de outros psicanalistas sobre a política

    Psicanalistas como Wilhelm Reich e Erich Fromm falaram da relação entre psicanálise e política:

    • Reich introduziu a noção de psicologia de massas do fascismo; a forma coletiva como os grupos humanos pensam extrapola os pensamentos individuais, ou seja, um mais um é mais do que dois.
    • Fromm explorou o medo à liberdade e os aspectos psicológicos do totalitarismo, defendeu que o fascismo se alimenta do isolamento e da solidão dos indivíduos.
    • A Escola de Frankfurt: autores como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse relacionaram assuntos de filosofia, psicanálise e política, também no enfrentamento ao fascismo, demonstrando que certos tipos de personalidade são mais propensos ao fascismo.
    • Filha de Sigmund Freud, Anna Freud abordou os mecanismos de defesa; suas ideias podem ser expandidas para a dimensão social, por exemplo como o mecanismo da projeção como defesa.

    Um material de grande valor histórico é a troca de correspondências entre Freud e Einstein sobre o tema da guerra.

    No texto “Por Que a Guerra?”, Freud escreve:

    “A história do mundo, que é ainda em grande parte a história dos massacres e da miséria.”

    Dúvidas sobre Freud e política, psicanálise e política

    Vamos resumir algumas dúvidas sobre a relação entre psicanálise e política:

    1. Freud era politicamente ativo?

    Não exatamente, ele era mais um observador da política e suas influências psicológicas.

    2. Existe uma relação entre complexo de Édipo e política?

    O totalitarismo despótico de líderes de Estado reproduz a figura do pai na família, enquanto imposição de uma vontade de impor sua ordem ao filho.

    3. A psicanálise pode contribuir para a compreensão dos movimentos sociais?

    Sim. Os movimentos de afirmação de identidades, por exemplo, tem direta ou indiretamente uma base nas teorias psicanalíticas sobre o desejo e a constituição dos sujeitos.

    4. Freud considerava o Estado uma criação puramente negativa? Não. O Estado pode ser uma forma de superar a barbárie, isto é, evitar a imposição do desejo do mais forte sobre os mais fracos. Entretanto, no Estado totalitário, o papel opressivo contra minorias tende a se destacar.

    Referências bibliográficas

    ANNA FREUD. O ego e os mecanismos de defesa. Civilização Brasileira: RJ, 1996.

    ERICH FROMM, “O Medo à Liberdade”. Editora Zahar, 1983.

    SIGMUND FREUD, “O Futuro de uma Ilusão”, “Moisés e o Monoteísmo”, “Totem e Tabu”, “Psicologia das Massas e Análise do Eu” e “Mal-estar na Civilização”. in Obras Completas, Edição Standard, 2010.

    THEODOR ADORNO, “A Personalidade Autoritária”. Editora Unesp: SP, 2019.

    Este artigo sobre psicanálise e política (Freud e política) foi escrito por Paulo Vieira, gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise.

     

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