Traremos neste texto uma análise do ponto de vista psicanalítico sobre a Identidade nos Relacionamentos. Em que circunstâncias devemos ficar atentos para evitar que o “nós” apague o “eu”?
Nos primeiros anos de um relacionamento, a fusão emocional parece um sonho realizado.
Compartilhamos gostos, hábitos e até formas de pensar. No entanto, quando essa dinâmica persiste por décadas, algo peculiar acontece: muitas pessoas acordam um dia e percebem que não sabem mais quem são fora daquele vínculo.
O desafio invisível dos relacionamentos longos
A psicanálise nos ensina que esse fenômeno tem raízes profundas em nossa estrutura psíquica. Desde a primeira infância, aprendemos que o amor pode exigir certas renúncias de nossa individualidade. Como adultos, repetimos esse padrão nos relacionamentos amorosos, muitas vezes de forma inconsciente.
O resultado é um vazio existencial que persiste mesmo em uniões aparentemente estáveis e felizes.
Freud nos mostrou que nossas escolhas amorosas são sempre, em alguma medida, repetições de nossas primeiras relações de cuidado. Na infância, nossa sobrevivência dependia da aprovação e atenção dos cuidadores.
Raízes psicanalíticas do apagamento do “eu” e da perda de identidade nos relacionamentos
Como adultos, transferimos a dinâmica afetiva da infância para os relacionamentos amorosos. Inconscientemente acreditamos que nossa sobrevivência emocional depende da manutenção do vínculo a qualquer custo.
Jacques Lacan, outro grande pensador psicanalítico, desenvolveu essa ideia ao falar sobre como o amor romântico ativa em nós o desejo de completude. Buscamos no outro aquilo que sentimos nos faltar, criando a ilusão de que seremos inteiros apenas através da união.
O problema surge quando essa busca se transforma em anulação, quando deixamos de existir como indivíduos para nos tornarmos apenas parte de um “nós”.
Donald Winnicott, pediatra e psicanalista, contribuiu com o conceito do “falso self” – uma versão de nós mesmos que desenvolvemos para agradar aos outros.
Nos relacionamentos longos, esse fenômeno pode se intensificar, especialmente quando há medo inconsciente de perder o amor do parceiro. Aos poucos, vamos nos tornando aquilo que acreditamos que o outro deseja, até que perdemos contato com nosso verdadeiro eu.
Os sinais silenciosos da falta de identidade nos relacionamentos
O processo de apagamento da individualidade e da perda da identidade nos relacionamentos é muitas vezes gradual e sutil. Alguns sinais podem ajudar a identificá-lo:
- Dificuldade em tomar decisões sem consultar o parceiro, mesmo sobre assuntos pessoais;
- Sensação de vazio mesmo quando o relacionamento vai bem;
- Abandono progressivo de interesses e hobbies que não são compartilhados pelo parceiro;
- Incapacidade de identificar desejos próprios, como se não soubesse mais o que realmente gosta;
- Sonhos recorrentes sobre estar perdida, sufocada ou sem voz.
Esses sinais não indicam necessariamente que o relacionamento é ruim, mas sim que a dinâmica entre o indivíduo e o casal precisa ser reequilibrada.
O caminho de volta a si mesmo: recuperando a identidade nos relacionamentos
A psicanálise oferece um caminho para recuperar a individualidade sem romper o vínculo amoroso. O primeiro passo é reconhecer que o amor saudável não exige fusão total.
Pelo contrário, como dizia o filósofo Martin Buber, o verdadeiro encontro só acontece entre dois seres completos.
Um exercício poderoso é começar a observar os momentos em que você se censura por pensar ou sentir algo diferente do seu parceiro. Essas pequenas autocensuras são as tijolos que constroem o muro entre você e sua própria identidade.
Outro aspecto importante é resgatar o contato com suas memórias de antes do relacionamento.
QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISEErro: Formulário de contato não encontrado.
- Quem você era?
- Quais eram seus sonhos?
- Que atividades traziam alegria?
Essas perguntas não são sobre nostalgia, mas sobre reconexão com aspectos de si mesmo que podem ter sido deixados de lado.
Aos poucos, é possível começar a reintroduzir na vida cotidiana pequenos gestos de auto armação. Pode ser algo simples como ouvir a música que gosta (mesmo que o parceiro não aprecie), ou reservar um tempo regular para uma atividade só sua.
O equilíbrio entre individualidade e vínculo
Muitas pessoas temem que cuidar de sua individualidade possa ameaçar o relacionamento. A psicanálise nos mostra que ocorre exatamente o oposto. Quando dois indivíduos plenos se encontram, o vínculo que criam é mais autêntico e resiliente.
Manter sua identidade dentro do relacionamento permite que você:
- Continue a crescer e se desenvolver como pessoa;
- Traga novidades e vitalidade para a relação;
- Seja amada por quem você realmente é, não por quem imagina que precisa ser;
- Ensine seu parceiro, através do exemplo, que ele também tem direito à sua individualidade
Conclusão: O direito de se amar e a identidade nos relacionamentos
Preservar sua individualidade em um relacionamento longo não é um ato de egoísmo, mas de profundo respeito – por si mesmo e pelo parceiro. Como ensina a psicanálise, só podemos verdadeiramente nos relacionar quando temos um “eu” sólido para compartilhar.
Se você se reconhece nesse processo de apagamento, lembre-se: nunca é tarde para começar a se reencontrar. Pequenos passos diários podem levar a grandes transformações na forma como você se relaciona consigo mesma e com seu parceiro.
O amor maduro não exige que você desapareça. Pelo contrário, ele cresce quando dois seres inteiros escolhem caminhar juntos, sem perder de vista seus próprios caminhos internos.
Este texto sobre identidade nos relacionamentos foi escrito por Priscila Rezende, Psicanalista e Especialista em Relacionamentos, ajudo mulheres a se reconectarem consigo mesmas e a construírem relações mais saudáveis e equilibradas. Uma mulher que ama mudanças, dedico-me a transformar vidas por meio do autoconhecimento e do desenvolvimento emocional. Para acompanhar mais sobre seu trabalho e entrar em contato, visite o Instagram @soupriscilarezende ou www.priscilarezende.com.br.