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Luto na perda de ente querido: visão psicanalítica

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Compreender a morte é um exercício árduo nas sociedades contemporâneas, por ser um tema tratado com bastante tabu na sociedade. No entanto, o sofrimento do luto na perda de um ente querido, isto é, o luto na perda de um familiar ou amigo próximo, é mais bem compreendido se houver auxílio de uma abordagem psicanalítica.

Luto e melancolia são duas facetas que precisam ser estudadas para que você consiga superar a barreira em torno de um assunto bastante comum no dia a dia. Morrer e viver são peças de engrenagem da humanidade.

Freud e Melanie Klein são dois especialistas cujos estudos e obras são bastantes esclarecedores sobre a morte. No luto, de acordo com Freud, há uma ausência de libido que antes era voltado ao objeto ou pessoa amada.

Na melancolia, por outro lado, há uma perda inconsciente do objeto amado, o que, na avaliação dele, leva a um estado de pobreza do libido.

 

Luto e melancolia

1. A melancolia, então, pode ser entendida como uma “psiconeurose do sujeito”, enquanto o luto é um período transitório do sujeito. Para Melanie Klein, o luto normal não é melancolia, já que, na avaliação dela, melancolia é o luto patológico. Freud diz que, em alguns casos, a melancolia pode acarretar o luto.

2. É preciso entender que, na melancolia, a lamentação pela perda é maior e a pessoa age como se ela própria tivesse se perdido junto ao objeto amado. Isso provoca um estado de grande desmotivação e tristeza profunda.

 

Perda e energia psíquica

Em muitos de seus estudos, Freud se dedicou a analisar a necessidade que algumas pessoas têm ao se depararem com a perda. Segundo ele, a perda exige um investimento de energia no âmbito psíquico que talvez seja difícil de ser alcançada naquele momento. Com isso, a pessoa não consegue lidar com o vazio.

Na verdade, principalmente em sociedades ocidentais, não há esclarecimentos maiores sobre a morte, como um processo que será alcançado por todos em algum momento. A morte é tratada, na maioria das vezes, de forma quase que absoluta, sob a perspectiva da religião, em discursos moralistas e que visam a imposição do medo no consciente das pessoas.

Estudiosos apontam que o medo da perda representa a desintegração do próprio ego e, portanto, do eu interior de cada um. E existem várias formas de essa perda ocorrer. Por exemplo: abandono, distanciamento ou a própria morte. Tudo isso desestabiliza o campo psíquico e fragmenta o ego. Portanto, desintegra o próprio eu.

 

A ambivalência, segundo Freud

Freud aborda o tema da ambivalência: em algum momento, um filho (por exemplo) teve raiva do pai. Quando o pai falece, o inconsciente do filho sugere que foi este quem provocou a morte do pai. A ambivalência seria este misto de amor e ódio que, no momento da perda, pode se converter em culpa contra o que fica.

O tratamento implica o sujeito analisado abandonar o que Freud chama de pensamento animista, isto é, o sujeito precisa parar de acreditar que seu pensamento tem poderes físicos sobre o mundo.

 

Desintegração do ‘eu’

Essa desintegração do “eu” ganha mais força com a incompreensão das pessoas sobre o processo de suas próprias vidas. Ou seja, de compreender que nada nem ninguém são eternos. Freud afirma que, na melancolia, não é só a morte que contribui para o aprofundamento da doença. Inclui, também, situações de desconsideração, desprezo ou desapontamento, que podem trazer para relação sentimentos oposto de amor e ódio.

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    Ao abordar alguns estudos sobre a história social da morte, identifica-se uma forte mudança na forma como ela ganha significado nas sociedades ocidentais e com perspectivas bem específicas.

    Alguns estudiosos observam que já não há tanto espaço quanto antes para a concepção de morte domada. Isto é, para aquela situação em que havia toda uma rede de símbolos e ritos que definiam, socialmente, o lugar da morte.

    Com isso, a morte deve deixar de representar a marca da falência do sujeito da modernidade em sua autodeterminação e libertação do jugo divino para se ressignificar. Nesse aspecto, passa a ser a ocultação da própria finitude frente aos avanços da grande empreitada científica humana.

    No entanto, com frequência, a morte foi perdendo sua inserção na sociedade e a sua faceta humana para ser silenciada e distanciada do círculo das relações sociais Tudo isso dificulta a elaboração do luto e da morte.

     

    Auxílio da psicanálise

    É preciso compreender que, no luto, o indivíduo se depara não somente com a perda do objeto, mas com uma ameaça à sua própria completude enquanto ser. A perda significa, ao indivíduo enlutado, perder parte de seu “ego”, o seu “eu”. Isso leva a um desequilíbrio psíquico, que deve ser tratado por profissional capacitado da psicanálise.

    A fala de um paciente enlutado possibilita a simbolização da perda, já que haverá, por meio das palavras, uma caracterização do que isso representa para ele. É a fala que, além disso, também o permite a sair do processo de luto e elabore a continuidade do seu processo de existência humana.


    Leia Também:  História de Freud: biografia da origem ao auge

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    20 thoughts on “Luto na perda de ente querido: visão psicanalítica

    1. Marcos de Almeida disse:

      Parabéns pelo artigo que aborda tema tão importante e presente hoje e sempre. Gostaria porém de comentar a necessidade de esclarecimento sobre a frase; “É preciso compreender que, no luto, o indivíduo se depara não somente com a perda do objeto, mas com uma ameaça à sua própria completude enquanto ser. A perda significa, ao indivíduo enlutado, perder parte de seu “ego”, o seu “eu”. Isso leva a um desequilíbrio psíquico, que deve ser tratado por profissional capacitado da psicanálise.”
      Não é de todo preciso afirmar que no luto o indivíduo perde parte de seu ego; essa descrição assemelha-se mais ao luto patológico e mesmo a melancolia, onde a ambivalência para com o objeto perdido faz-se presente e o indivíduo, no binômio amor-ódio, pode culpar-se pela perda do ente querido, levando-o em alguns casos a condições patológicas. Somente nestes casos é recomendado um atendimento especializado; já que o próprio Freud comenta “ser o luto… uma atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considera-lo como sendo uma condição patológica a submetê-lo a tratamento… julgamos inútil ao mesmo tempo prejudicial qualquer interferência em relação a ele” (Fonte: Obras Completas – Edição Standart Brasileira – Volume XIV – Luto e Melancolia – página 276).

      1. Psicanálise Clínica disse:

        Prezado Marcos, obrigado pela mensagem de congratulações e pelas importantes colaborações trazidas por você.

      2. Eunice Furquim disse:

        Marcos, concordo com você. Vi nessa explanação, igualmente, uma afirmação absoluta de que a morte em qualquer caso penaliza o indivíduo, levando-o à destruição e descapitalização do próprio ego. Acredito que somente em situações patólogicas, quando o ego não foi devidamente estruturado e fortalecido durante a vida do indivíduo, que tal problemática possa ocorrer. Nesses casos, o ego estaria de tal forma agregado ao ser que foi morto, que não conseguindo libertar-se do mesmo, acabaria por ser igualmente desintegrado e destruído. Muito boa e adequada sua observação.

        1. Excelente! E ainda mais agregador com os comentários que buscam esclarecer e discernir a questão do luto X ego X melancolia.

    2. Elizabeth kubler ross(1926-2004),psiquiatra suiça, dedicou a vida a ultima fase da existência humana. Estes são os passos observados pela Dra.kubler ross:
      1rejeição
      2desgosto
      3negociação
      4aceitação .

      1. Roberto Baglini disse:

        Interessante observação. Entendo que a falta da dar de negociação entra em causa na gênese da melancolia. Negociação entre as próprias exigências inconscientes e conscientes que explica o porquê da definição de fragmentação do ego

    3. Maria de Lourdes Oliveira Botelho disse:

      Às vezes, penso que a minha mente deveria ser estudada, pois eu teria motivos para ser uma das pessoas mais depressiva do mundo em relação a perdas e outras coisas. Perdi 4 irmãos ainda bebês. Aos onze anos perdi meu pai, meu contador de historinhas infantis, companheiro inseparável. Perdi namorados por razões que não sei. Perdi meu primeiro esposo, pai de meus filhos, recebi só as cinzas no aeroporto. Perdi meu segundo esposo, numa queda do telhado, se quebrou todo. Recebi a aliança, um lenço, carteira e outros pertences pessoais. Entre outras perdas, como também palavras depreciativas, injúrias, calúnias, desprezo. Muitas lágrimas, caí muitas vezes em tristezas. Mas as tristezas não me abatem, reajo contra elas e procuro conquistar outras coisas, provar o contrário das ofensas que me dizem, no silêncio, mas de cabeça erguida, sem ressentimentos. Minha arma é pensar que material é pó. Que aquele instrumento que lança maldição contra nós, um dia se cala se continuarmos seguindo nossa trilha sem tirar o foco de nosso objetivo. O segredo é ouvir a nós mesmo, Jesus disse que o Reino dos céus está dentro de nós. Hoje moro sozinha, tenho um namorado, mas namorado não é como uma pessoa que está sempre ao seu lado te dando apoio. Mas é melhor do que nada. Preencho o tempo com terapias domésticas, leituras, trabalhando, aprendendo outros idiomas. Uma coisa eu descobri, a pessoa adoece mentalmente quando ela ofende as pessoas, pois tem muito do que se arrepender. Ofender as pessoas é o pior vírus para adoecer a mente. Quando amamos as pessoas e somos compassivo com elas, nossa alma fica limpa e andamos livremente. Disso que o ser humano precisa para ter uma mente sadia: ter o Espírito Santo no próprio espirito. Assim entenderemos o processo da vida sem sofrer tanto porque a vida é uma estrada, cada passo você se depara com alguma coisa. É isso.

      1. Sua palavras são um refrigerio para os desiludidos. Que Sr te faça sorte cada dia mais.
        Um abraço.

    4. Edson Fernando Lima de Oliveira disse:

      Excelente o enfoque, bem atual o artigo, com um tema que suscita muita reflexão. O tema é instigante e tem sido um problema sério e grave principalmente num momento de pandemia do covid-19 e a recente cepa D, da India, onde muitas pessoas ficaram em luto pela perda de pessoas da família, entes queridos. Ninguém gosta e ninguém quer perdas repentinas e inusitadas de seus entes queridos no arco de suas famílias. E elaborar o luto é algo que gera um estresse muito forte no ciclo vital das pessoas ainda mais quando é fora da naturalidade. O óbito natural, numa pessoa muito idosa é mais elaborado porque é um ritual de passagem. Mas, a perda de pessoas jovens é muito doloroso. Concordo.

    5. EDIVANI NOGUEIRA DE OLIVEIRA RIOS disse:

      Artigo excelente, bem claro e objetivo.

    6. Evangelista Damasceno disse:

      Muito bom o artigo. Nunca somos preparados para a aceitação da PERDA.Apesar de ser um acontecimento comum em nossa vida, compreendida no espaço entre nascimento e morte, o nosso emocional ainda sofre muito quando uma perda acontece. A Psicanálise pode sim contribuir para amenizar o sofrimento quando esse acontece com uma intensidade maior.

    7. Marcelo Cicca disse:

      Ótimo artigo e muito esclarecedor. Eu estudo sobre isso porque passo por um luto recente da perda de uma filha de 16 anos, que era (é) uma das minhas princesas (tenho outra filha mais velha). As circunstâncias da perda (repentina) e o relacionamento que colhia com ela certamente diferenciam bastante a complexidade para elaboração desse luto. Já perdi outras pessoas queridas e muito amadas. Mas nada se compara a perda desse tipo que tive agora. E tenho constatando quem estou me autoanalisando (com ajuda profissional) que a perda de uma filha, para mim, pelo menos, causa uma sensação que meu eu também morreu em parte. É preciso reconstituí-lo. Falar e escrever muito sobre essas reflexões têm sido meus melhores remédios.

      1. Alexsandra Silva disse:

        Boa noite Marcelo! Meus sentimentos, sei como é difícil a perda de um ente querido, vivi também a alguns anos a morte de minha irmã, foi difícil, mas graças a Deus , superamos esta grande perda familiar. Mas é como você escreveu, em seu relato, falar e escrever são as melhores ferramentas para refletirmos sobre este assunto, pois ao dialogarmos e quando somos ouvidos temos a sensação de alívio e isto acaba me aliviando e a ajuda psicológica, tem me ajudado bastante, pois é uma escuta qualificada e te orienta a fazer uso de suas capacidades, para poder chegar ao ponto de aceitação! Que Deus te abençoe e saúde Marcelo Cicca

    8. Artigo corajoso. Acho que a presente geração nunca se deparou com tantas mortes e se viu obrigada a encarar a certeza de seu próprio inesperado fim.

    9. Ana Rodrigues disse:

      Excelente , poderia especificar as fases do luto e a elaboração.

    10. Mirian Annita disse:

      Amei o texto, Este assunto me interessa muito, Achei esclarecedor.

    11. Rita Carvalho disse:

      Quero parabenizar a todos os envolvidos por abordar uma tema muito importante de forma tão exclarecedora.
      Gostaria de fazer um adendo, acho importante destrinchar as fases do luto e quanto tempo o luto dura para que possamos entender melhor e identificar em que fase o paciente se encontra.

    12. Luiz Bezerra Francisco disse:

      Excelente texto como sempre . Gratidão!

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