Hoje falaremos sobre a relação parental. Normalmente, quando ouço alguém declarar ao parceiro que é a pessoa que mais ama no mundo, me pergunto: ”como pode um homem ou uma mulher amar tanto alguém que até recentemente era um mero estranho, mais do que as duas pessoas que a trouxeram ao mundo, cuidaram dela e a educaram?’’
Ontem, depois do pequeno almoço, sentei-me do lado de fora de casa, tentando fazer alguns telefonemas. Logo, o meu filho veio atrás de mim e me abraçou por trás.
Ele tem sido muito afetuoso desde que completou quatro anos.
Sobre a relação parental
Há uns meses, quando fiquei um tempo longe de casa, ele acordava de madrugada chorando pela minha ausência e só parava quando a mãe lhe dava o telefone e falava comigo. Ultimamente, todas as manhãs, antes de ir a creche, ele vem me dar um abraço, um beijinho e fazer cócegas na minha bochecha, o que chama de carinho, não importa se ainda estou na cama deitado, ou no escritório de casa a trabalhar.
Quando ele recebe um saquinho de doces, sempre deixa alguns para mim e para a mãe. Ele não vê hora nem lugar para nos encher de beijinhos, subir ao colo e dizer que somos os melhores pais do mundo.
Certa vez, deixei-o na casa de um dos meus irmãos para passar alguns dias. Foi difícil segurá-lo porque ele só queria voltar para casa e ficar conosco.
A relação parental em casa
Várias vezes durante o dia, ele pedia para falar comigo e com a mãe e sempre que atendíamos o telefone ele repetia que queria voltar para casa. Toda esta afeição me fez ver que os pais são os primeiros grandes amores na vida de um homem ou de uma mulher.
No entanto, isso não dura para sempre. Mas um pai ou uma mãe não deixa de ser o principal amor de seu filho por causa de um possível desentendimento. Mas porque outra pessoa surge e toma o seu lugar.
A explicação mais óbvia para este fenómeno é que os pais representam o passado de uma pessoa, enquanto o seu parceiro representa o seu presente e futuro. Ou, o parceiro representa o início de uma nova história, uma história que começa quando ele passa a assumir as rédeas da própria vida.
A importância do passado
E apesar de toda a importância dada ao passado, principalmente ao passado bom, as pessoas sempre tenderão a escolher o presente e o futuro, em vez das coisas boas que ficam para trás. Bem, embora esta explicação possa ser satisfatória para muitos, está longe de ser completa.
Para podermos compreender eficazmente este fenômeno, precisamos analisá-lo desde a base: Até o fim da infância, os pais monopolizam o coração do filho. Ele pode amar simultaneamente outras pessoas, como o irmão mais novo, a irmã mais velha, os tios, os avós e até mesmo a professora.
Mas o amor que ele tem pelos pais é absolutamente incomparável. Ele pode superar a distância com relativa facilidade com todas essas pessoas. Mas tem extrema dificuldade em ficar longe dos pais.
A relação parental e a relação romântica
E nesses casos, sempre que ele pode, não se importa em passar todo o dia ao telefone com eles, ou pelo menos ligar a cada minuto. É o mesmo que acontece com os adultos quando estão apaixonados: uns dias longe da pessoa amada viram uma eternidade, uma longa distância se torna o apocalipse – o que confirma o que dissemos acima: os pais são os primeiros grandes amores na vida de um ser humano.
No início da adolescência, os pais permanecem nesta posição. No entanto, por volta dos catorze ou quinze anos, a medida que o indivíduo vai sendo mais dono de si mesmo e se sente atraído por pessoas do sexo oposto, o protagonismo dos pais em seu coração vai sendo ameaçado.
Em outras palavras, é a partir do momento em que uma pessoa se apaixona verdadeiramente que os pais geralmente passam para o segundo plano. E daqui eles só descem, e nunca mais ocupam o lugar que até então lhes pertencia.
O segundo lugar
Em geral, esta descida dos pais para o segundo lugar acontece com base em três fatores: natureza do relacionamento, estabilidade do relacionamento e a expressão física do amor.
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Natureza do relacionamento
O namoro é uma relação essencialmente recreativa, tem certas obrigações mútuas, mas é principalmente recreativa. Quando um casal está junto, geralmente é para trocar prazeres, das mais diversas formas, com brincadeiras, beijos, sexo, risadas, etc.
O que significa que para os jovens, o namorado ou a namorada representa alguém que os deixa felizes. Paralelamente, o primeiro dever de um pai e de uma mãe não é deixar os filhos felizes. Mas ajudá-los a se tornarem bons homens e mulheres, que consigam servir a sociedade da melhor maneira possível.
Perseguir este objetivo obriga os pais a estabelecerem limites e a policiar o seu cumprimento, por vezes com um chicote nas mãos.
Desafiando a autoridade
E tendo em conta que as pessoas têm uma tendência natural para desafiar a autoridade, especialmente quando existem regras que não compreendem ou com as quais não conseguem concordar, em determinados momentos a relação entre pais e filhos tende a tornar-se tumultuosa – o que naturalmente enfraquece a posição dos genitores, fortalecendo o lado do namorado ou da namorada, que nestes casos costuma aparecer para dar conforto e prazer.
Assim, para o jovem, os pais são pessoas más, ou pelo menos a maior parte do tempo – pois estão sempre a ralhar, não o compreendem, não veem que ele não é mais uma criança, e que precisa de mais espaço – enquanto a namorada é aquela pessoa que o entende, que o anima nas horas mais sombrias, e que nunca grita com ele.
Estabilidade do relacionamento
Este é outro fator que em determinados momentos fortalece a posição do namorado ou namorada em detrimento da posição dos pais. Ao contrário da relação romântica que carece de retribuição para continuar a existir, o vínculo de filiação é praticamente garantido – para não dizer incondicional; não exige tanto que a pessoa se esforce em retribuir o amor que recebe dos pais.
Ou seja, na relação romântica o indivíduo sabe que precisa fazer coisas, se sacrificar, retribuir cada gesto de amor que recebe da parceira para que ela continue sendo sua, e inclusive quando ela se declara «eu te amo», ele sabe que precisa corresponder com «eu também te amo» – ao passo que o relacionamento com os genitores não é assim tão carente de reciprocidade, pois os seus pais continuarão sendo seus, com pouco ou quase nenhum esforço.
Esta carência versus não carência de retribuição, são, para ambos os lados, uma vantagem e uma desvantagem. Uma vantagem para os pais e desvantagem para o parceiro na medida em que confere à ligação sanguínea um carácter mais estável, ao passo que torna a relação afetiva mais volátil.
A relação parental dos pais
Por outro lado, é uma desvantagem para os pais e uma vantagem para o parceiro se concordarmos que o amor parece ter uma regra: quanto mais amor damos a uma pessoa, mais tendemos a amá-la. Isso significa que ao se doar mais ao parceiro, mais do que se doa aos pais, o indivíduo tenderá a amar mais essa pessoa do que os pais.
Ao chegarmos neste ponto, se não quisermos resistir a tentação de darmos outra resposta simples a uma questão demasiado complexa, diremos que a maioria das pessoas tende a amar mais o parceiro amoroso do que os seus pais porque contrariamente a relação de filiação, a natureza do seu relacionamento romântico obriga o indivíduo a se doar mais e, quanto mais isso acontece, mais tende a amar o parceiro.
O mesmo raciocínio é válido se quisermos comparar o amor que as pessoas sentem pelos seus filhos ao amor que sentem pelos seus pais. A maternidade e paternidade, ao demandar mais sacrifícios, obriga a pessoa se doar mais, e ao fazê-lo, permite que mais amor pelos filhos cresça em seu peito. Por outras palavras, o amor aos pais é um amor baseado no que recebemos, ao passo que o amor ao cônjuge e aos filhos se baseia no que damos.
Grandes sacrifícios
Isso significa que, em todos os casos, para conseguirmos que alguém nos ame profundamente, temos que fazer com que essa pessoa se doe cada vez mais por nós?
Não de todo, porque o amor e todas as emoções do coração não são exatos. Levar as pessoas a fazer grandes sacrifícios, sem que tenham a devida retribuição, em qualquer tipo de relacionamento, inclusive de pais para filhos, conduz ao desgaste.
Expressão física do amor
Ao contrário da relação de parentesco, que vê na expressão física uma terceira ou quarta opção, na relação romântica, além do toque erótico, demonstrar amor fisicamente, por meio de carinho, abraço e beijo, é um dos requisitos primordiais para a manutenção dos laços.
Contudo, para ambos os relacionamentos, a expressão física do amor é uma vantagem e ao mesmo tempo uma desvantagem, assim como o fator anterior. Um filho não precisa abraçar, beijar e dar carinho aos pais para assegurar o vínculo com eles. Mas precisa fazer isso com a parceira se quiser que a relação dure ou se fortaleça.
Por outro lado, é uma vantagem para o parceiro e uma desvantagem para os genitores se considerarmos que o princípio anterior também se aplica aqui: quanto mais expressamos o amor que sentimos, mais fortalecemos este sentimento.
Conclusão sobre a relação parental
Isso explica porquê a relação parental ou afetiva entre pessoas que expressam fisicamente o amor que sentem umas pelas outras, por meio de abraços, apertos de mão calorosos, beijos na testa e na bochecha, é geralmente mais forte do que entre pessoas que simplesmente expressam seu afeto com palavras.
Neste sentido, a lógica parece ser mais ou menos esta: nos abraçamos tanto porque nos amamos, e nos amamos tanto porque nos abraçamos.
Artigo escrito por Manuel Marques.
3 thoughts on “Relação parental vs relação romântica”
Gostei!
Excelente artigo, pois que expressa profundamente o amor que se sente por alguém, começando pelos pais, cônjuges e filhos… E esse poder continua num ciclo sem fim.
Amei o artigo, parabéns!!!